Fotografia de Lilya Corneli.
Apresentação José Tolentino Mendonça.
(texto)
permeáveis a quê
se a luz nos basta?
quem se não tu me sustem no vento
quem descose o pesponto que me ata
quem recorta meu rosto sobre o tempo?
recomeço (explico-te)
em cada estremecimento mudo de uma palavra azul
excepção feita (dizes) aos adjectivos
dejectos ditongos e certas manhãs de chuva
mais claras
quando porém o tempo se comprime à altura
dos olhos
magoados
e dizer-te por fim é um deserto
persiste apenas sobre meu corpo aberto
a desmedida usurpação da luz
onde antes os rostos desabridos
agora a voz descalça
o ofício da idade é pernicioso e vão
porque me encerra em palavras sem arestas
onde passos
só esparsos
se comprazem
em disformes miríficos enredos
a imaginação apura-se com o passar dos anos
porque os dias são espelhos sem mercê
soletração vazia de segredos
imagens que te ocultam
onde se inclina a ausência e eu sou parte
o mundo é vasto e árduo e sem desígnio
ocasiões há da noite em que as mulheres
escondem
a exacta proporção do tempo: o que passa
fica
surdo ao piar do tordo quando fulge
a profunda escassez do rosto
que por uma vez se toma por sinal:
uma falta em nós
certa veia que o tempo abrirá à ampla lisura do silêncio
ocasiões há da noite em que as mulheres
desdobram
nos cabelos
a milenar habitação da luz:
na travessia do seu colo refracta-se
a vastidão da alba
risível e inútil a imperfeição humana
Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva
Braga, 10 de Abril 2008.
Apresentação por
valter hugo mae
Livraria Bulhosa - Entrecampos, 11 de Outubro 2008.
Apresentação por José Tolentino Mendonça (texto).
Poemas ditos pelo Júlio Martín.