luís soares barbosa
sobre fio de lume
Publicado pela Cosmorama em Fevereiro 2008.

Fotografia de Lilya Corneli.



Apresentação José Tolentino Mendonça.
(texto)
dos dias quando passam

permeáveis a quê
se a luz nos basta?

(laura)

quem se não tu me sustem no vento
quem descose o pesponto que me ata
quem recorta meu rosto sobre o tempo?

(francisco)

recomeço (explico-te)
em cada estremecimento mudo de uma palavra azul

excepção feita (dizes) aos adjectivos
dejectos ditongos e certas manhãs de chuva
mais claras

(laura)

quando porém o tempo se comprime à altura
dos olhos
magoados
e dizer-te por fim é um deserto
persiste apenas sobre meu corpo aberto
a desmedida usurpação da luz

onde antes os rostos desabridos
agora a voz descalça

(laura)

o ofício da idade é pernicioso e vão
porque me encerra em palavras sem arestas
onde passos
só esparsos
se comprazem
em disformes miríficos enredos

a imaginação apura-se com o passar dos anos
porque os dias são espelhos sem mercê
soletração vazia de segredos
imagens que te ocultam
onde se inclina a ausência e eu sou parte

o mundo é vasto e árduo e sem desígnio

epílogo

ocasiões há da noite em que as mulheres
escondem
a exacta proporção do tempo: o que passa
fica
surdo ao piar do tordo quando fulge
a profunda escassez do rosto
que por uma vez se toma por sinal:
uma falta em nós
certa veia que o tempo abrirá à ampla lisura do silêncio

ocasiões há da noite em que as mulheres

desdobram
nos cabelos
a milenar habitação da luz:
na travessia do seu colo refracta-se
a vastidão da alba

risível e inútil a imperfeição humana

Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva
Braga, 10 de Abril 2008.
Apresentação por valter hugo mae

Livraria Bulhosa - Entrecampos, 11 de Outubro 2008.
Apresentação por José Tolentino Mendonça (texto).
Poemas ditos pelo Júlio Martín.