luís soares barbosa
Outubro 29, 2023
Apontamento sobre a necessidade de ver claro, publicado no Sete Margens. Há momentos em que o poema é mudo e a palavra inútil.
Julho 2, 2022
Porto, Casa Comum. Conversa animada pelo José Rui Teixeira sobre o livro A eterna qualquer coisa do poeta espanhol Martín López-Vega e o meu próprio longos dias breve o medo.
Março 20, 2022
Sessão final do "Poesia Livre", em Santo Tirso, com Ondjaki (moderação de Eusébio André Machado).
A sessão decorreu no final de uma residência poética oferecida pela Câmara Municipal de Santo Tirso Santo Tirso, entre 16 e 20 de Março.
Janeiro 13, 2022
Início da celebração do Centenário de Maria Ondina Braga,
no Museu Nogueira da Silva.

Declaração da família sobre a data do seu nascimento (ler).

Ligação para a edição na INCM das suas obras completas.

Exposição do Centenário na Universidade do Minho (video).

Documentário O que vêem os anjos, uma ideia original de José Miguel Braga, em que também participei.
Setembro 16, 2018

(para o nome da clara)

e de súbito, alado, seu nome erguia,
enquanto a noite em nós refluía,
o indomável fulgor da claridade

Junho

houvesse nesta tarde um olhar intacto
onde ecoasse como então a tua voz:

era uma vez uma menina que vivia num palácio com vasos do japão


e recomeçasse em mim o lugar exacto
em que o medo era simples
(havia ainda azul)
e próxima ficava a tua mão

depois
inúmeras lágrimas cruzaram
a firme vontade que transportas
e secretas manhãs aqui voltaram
como se nunca tivessem sido mortas

cada desilusão foi uma força
cada percalço um recomeço
e não houve noites que longas soçobrassem
nem faltou o lume onde me aqueço
quando o pavor retoma este lugar
entre as infindáveis dissoluções dos dias
tua voz ainda enfrenta o tempo

uma menina, sabes, que brincava com a chuva nos corredores do vento

lembro-me de um anjo
flores secas
alguém que ao largo te acenou
sim ainda escuto o anjo
um anjo de louça que velou a madrugada
e de insuspeita glória te coroou

um texto para a minha mãe
para o pedro quando outubro dói

1.
nesse verão o dia era claro mesmo ao sol posto
e o mar alcançava-nos perto do peito
como uma pedra a abrir-se

repara:
ainda faltam quase todos na fotografia
(é um álbum novo quando agosto principia)
mas já seus olhos abrem
de mansinho
a madrugada de todas as promessas

ocupa, pois, sozinho o centro do retrato.

tão novos nós não supomos ainda
a erosão dos campos
nem o que faremos em cada encruzilhada
palavras dissolvidas, as mãos solventes.

por agora para ele conflui todo o olhar.

mais tarde colecionará bichos, piratas, cartomantes,
ondulações da voz, extra-terrestres, os dedos dos pinhais
e cães, claro, quando a noite chorar sobre a pele em brasa

germinará então a fotografia inteira
irá desdobra-la numa tarde enorme
e recolhê-la
como coisa sua que nos juntasse enfim
que nos fizesse casa
comum, por certo, para o mar que houvesse

já ele ali porém nesse verão distante
pequena evidência
que à luz nos devolve iluminados.
traz o dia pela trela
e o sol dobrava-se ao seu riso claro:
era uma vez um qué-qué ...

2.
tantos anos depois o qué-qué sem dar de si
um gato? uma praia? um fogo mudo?
um eco apenas desse mar varrido
quando a mão por fim se crispou voraz
e as minudências retomaram ferozes
seu caminho obscuro

3.
o que fecha a noite, sabes, quando sós por fim
não são epopeias nem tragédias, desígnios que houve
triunfos por haver,
sequer um grande amor dobrado sobre as pálpebras

o que nos roi é a mesa da cozinha,
a cadeira, o calendário
os ombros magoados contra a gaveta vazia
um pequeno cansaço matinal, repetido, insidioso
as horas calcificadas onde o vento apenas

o que nos roi são as ruas do costume
sua aspereza interior quando não chove
a contabilidade ávida e inútil onde as cores soçobram
as perdas se acumulam e delas próprias se perdem
recessivas

4.
envelhecemos de súbito tão larga a tua ausência

tua palavra rápida, genial, generosa
mas o qué-qué calado, não o encontro agora

tantos anos depois, sabes, o sol de luto
nossa idade inútil dobrada sobre o nada
o teu riso próximo a crescer em mim